Nascido depois da meia-noite

sábado, 22 de novembro de 2008


"Pode-se dizer sem reserva que todo homem é tão santo e tão cheio do Espírito como O deseja."

Entre cristãos afeitos a avivamentos tenho ouvido este ditado: “Os avivamentos nascem depois da meia-noite”.

É um provérbio que, embora não inteiramente verdadeiro, se tomado ao pé da letra, aponta para algo bem verdadeiro.

Se entendemos que esse ditado significa que Deus não ouve a nossa oração por avivamento, se for feita durante o dia, evidentemente não é verdadeiro. Se entendemos que significa que a oração que fazemos quando estamos cansados e exaustos tem maior poder do que a que fazemos quando estamos descansados e com vigor renovado, outra vez não é verdadeiro. Certamente Deus teria de ser muito austero para exigir que transformemos a nossa oração em penitência, ou para gostar de ver-nos impondo-nos punição a nós mesmos pela intercessão. Traços destas noções ascéticas ainda se encontram entre alguns cristãos evangélicos, e, conquanto esses irmãos sejam recomendados por seu zelo, não devem ser desculpados por atribuir inconscientemente a Deus algum vestígio de sadismo indigno até dos seres humanos decaídos.

Contudo, há considerável verdade na idéia de que os avivamentos nascem depois da meia-noite, pois os avivamentos (ou quaisquer outros dons e graças espirituais) só vêm para os que os desejam com angustiosa intensidade. Pode-se dizer sem reserva que todo homem é tão santo e tão cheio do Espírito como O deseja. Ele não pode estar tão cheio como gostaria, mas com toda a certeza está tão cheio como deseja estar.

Nosso Senhor colocou isso fora de discussão quando disse: “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos”. Fome e sede são sensações físicas que, em seus estágios agudos, podem tornar-se verdadeira dor. A experiência de incontáveis pessoas que procuravam a Deus é que, quando os seus desejos se tornaram dolorosos, foram satisfeitos repentina e maravilhosamente. O problema não consiste em persuadir Deus a que nos encha do Espírito, mas em desejar a Deus o suficiente para permitir-lhe que o faça. O cristão comum é tão frio e se mostra tão contente com a sua pobre condição, que não há nele nenhum vácuo de desejo no qual o bendito Espírito possa derramar-se em satisfatória plenitude.

Ocasionalmente aparece no cenário religioso alguém cujos anelos espirituais insatisfeitos vão ganhando tanto volume e importância em sua vida, que expulsam todos os outros interesses. Tal pessoa se recusa a contentar-se com as orações seguras e convencionais dos enregelados irmãos que “dirigem em oração” semana após semana e ano após ano nas assembléias locais. Suas aspirações a levam longe e muitas vezes o tornam incômodo. Seus irmãos em Cristo, perplexos, sacodem a cabeça e olham uns para os outros com ar de entendidos, mas, como o cego que clamou por sua vista e foi repreendido pelos discípulos, “ele, porém, cada vez gritava mais”.

E se não tiver ainda satisfeito as condições, ou se houver alguma coisa impedindo a resposta à sua oração, poderá prosseguir orando até às horas tardias da noite. Não a hora da noite, mas o estado do seu coração é que decide o tempo da sua visitação. Para este irmão bem pode acontecer que o avivamento venha depois da meia-noite.

Todavia, é muito importante que nós compreendamos que as longas vigílias em oração, ou mesmo o forte clamor e as lágrimas, não são em si mesmos atos meritórios. Toda bênção flui da bondade de Deus como de uma fonte. Ainda aquelas recompensas das boas obras sobre as quais certos mestres falam tão servilmente, sempre em contraste agudo com os benefícios recebidos somente pela graça, no fundo são tão certamente de graça como o próprio perdão do pecado. O mais santo apóstolo não pode ter a pretensão de ser mais que um sevo inútil. Os próprios anjos subsistem graças à pura bondade de Deus. Nenhuma criatura pode “ganhar” nada, no sentido comum da palavra – de trabalhar para ganhar ou de receber por merecimento ou de adquirir pagando. Todas as coisas pertencem à bondade soberana de Deus e por ela nos são dadas.

A senhora Juliana resumiu lindamente isso quando escreveu: “Honra mais a Deus, e O agrada muito mais, que oremos fielmente a Ele por sua bondade e nos apeguemos a Ele por sua graça, e com verdadeiro entendimento, permanecendo firmes por amor, do que se empregássemos todos os recursos que o coração possa imaginar. Pois se usássemos todos os recursos, seria muito pouco, e não honraria plenamente a Deus. Mas em sua bondade, a ação é mais que completa, faltando exatamente nada... Pois a bondade de Deus é a oração mais elevada, e desce às partes mais fundas da nossa necessidade”.

Apesar de toda a boa vontade de Deus para conosco, Ele não pode atender aos desejos do nosso coração enquanto os nossos desejos não forem reduzidos a um só. Quando tivermos dominado as nossas ambições; quando tivermos esmagado o leão e a víbora da carne, e calcado o dragão do amor próprio sob os nossos pés, e nos considerarmos verdadeiramente mortos para o pecado, então, e só então, Deus poderá elevar-nos à novidade de vida e encher-nos do Seu bendito Espírito Santo.

É fácil aprender a doutrina do avivamento pessoal e da vida vitoriosa; é coisa completamente diversa tomar a nossa cruz e afadigar-nos na escalada do sombrio e áspero morro da renúncia. Aqui muitos são chamados, poucos os escolhidos. Para cada um que de fato passa para a Terra Prometida, muitos ficam por um tempo, olhando ansiosamente através do rio, e depois retornam tristemente à segurança relativa das vastidões arenosas da vida antiga.

Não, não há mérito nas orações feitas a desoras, mas requer disposição mental séria e coração determinado deixar o comum pelo incomum no modo de orar. A maioria dos cristãos nunca o faz. E é mais que possível que as poucas almas que se empenham na busca da experiência incomum cheguem lá depois da meia-noite.


A.W. Tozer


Fonte: Capítulo 1 do Livro “O Poder de Deus” – Editora Mundo Cristão

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