terça-feira, 18 de agosto de 2009
Em nossa busca pelos segredos do poder na igreja ‘Como Era No Princípio’ _ isto é, nos anos imediatamente subseqüentes ao grande Pentecoste _ é inevitável que cheguemos à relação da igreja com o mundo. Esta inevitabilidade é colocada sobre nós tanto por seu espírito e conduta, como pelo grande número de referências ao mundo nos escritos do Novo Testamento. O próprio Senhor Jesus é mencionado como tendo algumas coisas muito fortes para dizer sobre o mundo. João, em seu evangelho, usa esta palavra setenta e sete vezes. Somente no capítulo dezessete ela ocorre quinze vezes. Em suas cartas ela é usada vinte e uma vezes. Em Coríntios ela é encontrada vinte e duas vezes, e ela é referida em quase todas as demais cartas.
A respeito do mundo é dito:
1. Que ele é algo que Cristo teve que vencer, e que Ele disse que venceu.
2. Que em sua totalidade ele jaz no maligno, e que tem um príncipe.
3. Que ele é hostil e inimigo de Deus, e que ser seu amigo é ser inimigo de Deus.
4. Que ele é algo do qual os cristãos foram tirados, e que foi intercedido para que eles, embora estejam no mundo, possam ser guardados dele.
5. Que ele está debaixo de condenação e será destruído.
Muitas outras coisas são ditas sobre ele, porém nós não nos propomos a entrar numa análise da palavra em si, ou a diferença de palavras gregas traduzidas para esta única palavra ‘mundo’.
Porém, alguns podem talvez citar João 3.16, querendo contrariar o que foi falado acima: ‘Deus amou o mundo...’ Esta grande Escritura indica o real significado do que nós vamos dizer. Na verdade não há contradição. A fim de entender o contraste, temos que fazer a pergunta: O que é esta coisa que é tão destituída do favor de Deus, e que, por outro lado, é tão amada por Deus?
Em relação à primeira pergunta pode ser dito logo que, neste sentido de desfavor, ‘mundo’ não significa a moldura, a esfera, o material e a estrutura geográfica. Nem significa essencialmente as pessoas dentro desta estrutura. Deus não odeia a humanidade! ‘Mundo’, portanto, deve significar outra coisa, e nós, talvez, podemos indicar isto por meio de certos termos como: uma natureza, uma disposição, uma mentalidade, um sistema, uma constituição, um caminho! É em tudo isto que aquilo que é oposto, hostil, contrário a Deus é inerente.
O ‘mundo’ neste sentido é rejeitado por Deus por causa de Sua própria natureza e constituição. É aqui que repousa toda esta questão de mundanismo. Esta questão tem sofrido lamentavelmente de má interpretação, e tem feito com que muitas pessoas sejam colocadas numa posição falsa.
Por exemplo, mundanismo tem sido transformado numa questão do lugar aonde as pessoas vão (teatros, cinemas, danças, etc.), ou da forma como as pessoas se vestem e se comportam, ou falam. Tem sido dito que, para se tornar um cristão, tais coisas devem ser abandonadas e outras coisas devem ocupar o lugar delas. Folhetos têm sido escritos sobre: Deve um cristão ir ao teatro? – Fumar? Beber bebida alcoólica? Usar maquiagem? E assim por diante. Isto é não compreender o principal, o que pode levar ao legalismo ou ao judaísmo. Realmente, em tudo isso, o que não é compreendido é nada menos do que o novo nascimento em si, que, se genuíno, _ resultando no Espírito Santo morando em nosso interior e na vida de Deus _ irá responder todas as questões à partir DO INTERIOR.
Vamos olhar mais de perto nesse termo ‘mundo’ à luz da Bíblia.
1. O Mundo é uma Natureza
Como observamos, o mundo é hostil a Deus, e Deus a ele, se ele é algo a ser “vencido”, e do qual o cristão deve se afastar, se a amizade com ele constitui em “inimizade contra Deus”, então deve haver algo muito maligno sobre ele, e que é mais maligno do que o próprio Satanás? A Bíblia representa Satanás como tendo se tornado ‘o príncipe deste mundo’, e é seu ‘deus’ pelo consentimento e conquista do homem, a quem a terra criada estava entregue em confiança.
Mas deixe ficar claramente entendido que esta mudança de governo não foi nenhuma coisa ‘oficial’ e formal, de modo que Satanás passou a governar meramente de uma posição externa. Ele capturou a mente, o coração e a vontade, e inoculou na alma do homem a sua própria natureza. A natureza do homem foi mudada. O que é esta natureza?
Abrangentemente ela é mostrada como estando em rivalidade com Deus, isto é:
(a). Para tomar o lugar de Deus.
(b). Para tomar o direito de Deus e não permitir que Deus seja tudo.
(c). Para ser independente de Deus e auto-suficiente, saber mais, capaz de fazer melhor, ou fazer sem Deus.
(d). Para ser possuído de poder, a fim de controlar, dominar, ser superior; uma revolta contra a sujeição e subordinação.
Esta é a natureza com que, num grau maior ou menor, a humanidade tem sido impregnada. O coração de toda esta questão é ‘independência’, contrário de dependência de Deus. Como isto ocorre?
(a). Ocupar-se muito mais com o que é material e temporal do que com o espiritual.
Para Deus todas as coisas são vistas do ponto de vista do valor espiritual. Esta é a Sua própria natureza. Deus é Espírito, não impessoal, mas um Espírito pessoal. A importância das pessoas na Bíblia é a medida do efeito e do fruto espiritual de suas vidas e serviço.
Satanás irá absorver e obcecar com o material e temporal, a fim de roubar o espiritual, ou reprimi-lo.
(b). Ocupar-se somente com o presente e ofuscar o eterno.
O que temos e podemos obter agora é a preocupação mais importante. Esta vida é tudo! Isto é o real; o eterno é irreal para o homem natural.
Este é o grande ponto onde Satanás tentou a Cristo e Lhe ofereceu o mundo. Neste ponto Jesus venceu o mundo! No mundo o que se vê é o que importa; o sentido natural da percepção e da avaliação predomina completamente. O padrão de sucesso é aquele que pode ser mostrado.
De muitas outras maneiras, a natureza deste mundo está em contraste com a natureza de Deus; os seus padrões, seus pontos de vista, seus valores, seus objetivos, seus pensamentos, seus caminhos, seu espírito. Um dos maiores aspectos no ensino espiritual do cristão é aquele de aprender quão completamente diferente são os pensamentos, medida de valores e os caminhos de Deus em relação aos nossos.
2. O Mundo é uma Prisão
O guardião desta prisão é o próprio Satanás.
A Bíblia revela as almas dos homens como estando num cativeiro, numa escravidão, em grilhões, numa prisão, no poder de Satanás. Ela revela Cristo como o Redentor ungido vindo a este mundo para ‘proclamar a liberdade aos cativos, e a abertura da prisão aos encarcerados’. Ele é mais forte do que o homem que vigia a sua casa!
A libertação de uma alma do mundo implica em conflitos muito intensos, e, após a libertação, é uma contínua batalha para se mantê-la livre das influências do mundo, do seu poder e de sua atração.
3. O Mundo é Mentiroso
Como o homem no princípio caiu na armadilha da mentira, assim ele permanece vítima do que é falso. Quanto mais uma pessoa tem deste mundo, maior a desilusão no final. Os prazeres do mundo são uma corrente enganosa que irá fracassar finalmente. Suas riquezas não trazem satisfação ao coração, e a alma sai tão nua como quando entrou.
Jesus disse que ganhar o mundo inteiro em troca da alma não é um bom negócio. A sutileza pela qual o homem foi inicialmente capturado estava no fato de que a VERDADE quanto ao resultado final não estava revelada, mas escondida. Jesus deixou as pessoas de Seu tempo sem qualquer dúvida de que elas eram cegas, e demonstrou isso por meio de milagres, isto é, por meio de atos que somente Deus poderia fazer.
Há graus de cegueira. Há a cegueira natural, que é universal, mas que pode ser remediada pela graça e poder de Deus. E há a dupla cegueira do preconceito e do orgulho adicionados à natureza, que é fatal. Tal era a cegueira da classe religiosa dominante do tempo de Cristo, e isto custou a esses religiosos toda a esperança.
Tudo o que temos dito e tudo que isto implica podem ser provados pela história, e para os cristãos por meio da experiência. Eles pegaram o elemento comercial do mundo e o ligaram às coisas celestiais. Isto é mais tarde declarado como sendo algo colocado no coração por Satanás. O resultado foi desastroso para eles.
‘No princípio’ a igreja sabia de tudo isto, permanecia nesta verdade e a ensinava. Além do mais, o Espírito Santo tornou isto muito real. Naqueles dias uma cumplicidade com o mundo era desastrosa. Quando aqueles que tinham bens negociáveis e propriedades abriram mão deles para o proveito do evangelho, havia dois que tiraram vantagem da situação, a fim de obter vantagem para eles. E o imediato julgamento lançou para sempre o princípio de que mercantilismo em coisas divinas é fatal.
Foi por causa da invasão permitida do mundo dentro das igrejas que o julgamento deles é efetuado, como registrado em Apocalipse, e em alguns casos, o candelabro foi removido. A grande decepção que está custando à igreja tanto poder é que, a fim de influenciar o mundo, é necessário ser um com ele, é necessário descer ao seu nível; para empregar os seus métodos, para usar os seus meios e para remover toda distinção entre a igreja e o mundo. A verdade é que o poder da igreja sobre o mundo é proporcional à sua separação dele. A questão da atração é para ser respondida ao longo da linha de uma igreja perfeitamente contente e satisfeita sem qualquer dos brinquedos do mundo. Isto temos visto demonstrado. Há um magnetismo sobre a alegria e regozijo de cristãos completamente engajados e consagrados que tornam vão os métodos do mundo.
Assim era ‘no princípio’, apesar da perseguição, do ostracismo, e da grande adversidade. O segredo do poder inicial e do crescimento da igreja era a grandeza do novo mundo que tinha sido aberto em Cristo, e a entrada da igreja nele. Cristo os preenchia completamente, e eles não necessitavam de qualquer acréscimo. O que isto significava era a grandeza de Cristo e a compreensão que eles tinham dEle.
A independência deles do mundo era o poder que eles tinham sobre o mundo. A suficiência de Cristo propiciou aquela independência. Isto intrigou o mundo, levou-o a inquirir, a investigar, e a ansiar, mesmo que isto provocasse o príncipe deste mundo à amarga inveja e antagonismo.
A igreja pode ter que caminhar um bom caminho para trás, a fim de recuperar o seu poder e influência, porém, não há alternativa, e o mundo irá experimentar a sua queda, desilusão e vergonha.
T. Austin-Sparks
Nenhum comentário:
Postar um comentário